17.7.08

DIVERSOS = MERECIDA HOMENAGEM AO "HOMEM DO SOM DO TURISMO"!

"Aqui Turismo, Cabina de Som!"

Uma homenagem a

JOÃO ROCHAAnos 30... e décadas seguintes!

Areias cheias de banhistas e um movimento que preenchia as artérias do Bairro Novo. Os espanhóis e a claridade ímpar que mais tarde Augusto Pinto soube escrever. Isto dito assim é pouco para exaltar aquilo que hoje em memória se poderia dizer da Figueira. Eram verões de loucura!

Depois os anos 50. A guerra já havia passado e tudo apontava para a modernidade. Umas das novidades eram os sons da rádio (na circunstância por cabo). Na Figueira as colunas públicas debitavam música e palavras, uma das vozes que garantiam a emissão era a do mentor do projecto - João Rocha.

Música, informações úteis e os tradicionais perdidos e achados faziam os blocos de programação que a Cabina de Som do Turismo projectava para o éter.

Vitorino Nemésio que passava por vezes férias em Buarcos, chegou a escrever no então Diário Popular dizendo que "o alto-falante despeja esclarecimentos práticos e anúncios de toda a região às horas de maior calor". Referia-se, claro, ao som que João Rocha preparava com carinho. Do estúdio, por si instalado em 1954 estava a maquinaria que permitia a realização dos programas, emissões com horário certo, e com o sinal horário que tinha a confiança publicitária da Casa Morais.

Sinal sonoro e... “perdeu-se um colar de pérolas”!! Histórias, muitas. Contam-nas bem duas pessoas que com ele trabalharam.

Mas quem foi o mentor deste projecto?
João António Saraiva Rocha, um figueirense convicto, nasce a 12 de Abril de 1906. É conhecido como o "menino de oiro", não só pelos seus caracóis loiros e olhos azuis, mas também pelo nível económico da família. Pertencente à burguesia comercial, o seu pai, Manuel da Silva Rocha, é membro da Maçonaria (Loja Fernandes Tomás) e transmite ao filho os ideais republicanos e laicos que o vão acompanhar toda a sua vida.

O avô João Rocha, proprietário de armazéns de exportação de vinhos, estraga com mimos o seu único neto e para ele manda vir, directamente de Paris, os brinquedos que o acompanham durante a infância: um pequeno copo com a gravação da Torre Eiffel, um comboio de corda com carris, locomotiva e carruagem, uma lanterna mágica com a sua colecção de vidros pintados a cores (que mais tarde electrifica para delícia das festas de anos da filhas) e uma grafonola de criança, mas operacional, com um conjunto de discos. Como esta infância feliz rodeada de "audiovisual" (no início do séc. XX) terá determinado o futuro de João Rocha nunca se saberá. Mas a sua vida foi, sem dúvida, toda ela dedicada (para além da família) às coisas da rádio… e da Figueira.

Em finais dos anos 20, "enquanto estuda em Coimbra e vive a fundo a vida académica, a família sofre um colapso. O pai adoece, os negócios familiares entram em ruína e, de toda a fortuna existente, este filho e neto único recebe, de herança, apenas dois jazigos: um em cada um dos cemitérios da cidade. Um golpe profundo.. E assim, o "menino de oiro" entra num futuro jamais imaginado. Interrompe os estudos e passa por várias profissões até chegar a funcionário público administrativo nos Serviços Municipalizados da Câmara da Figueira.

Em paralelo, desdobra-se em iniciativas cujo registo organiza, arquiva e anota: recortes de jornais, cópias de cartas enviadas, cartas recebidas, fotos e documentos referentes a actos tão diversos como a tentativa de criação de um serviço de transportes públicos na Figueira, a invenção de faróis para o nevoeiro, a gravação de programas sobre a Figueira que propõe às várias estações de Rádio (alguns dos quais emitidos, tanto em Portugal como nos Estados Unidos, Canadá e França), a locução de vários documentários (1946 - Fábrica de Vidros da Fontela; Manuel Santos / 1964 – Figueira da Foz; Manuel Pata-etc.) Mas, acima de tudo, o projecto de um emissor de rádio para a Figueira e a sua Cabina de Som.

A praia cheia ouvia a música e os anúncios...
Nos anos 30 e 40, a vida de João Rocha acompanha o período áureo da vida da Figueira, então considerada a mais bela e mais cosmopolita praia do país. O orgulho de ser figueirense, o gosto pela vida em sociedade (que lhe ficara dos tempos de menino de família) e o deslumbramento pelos anos loucos da rádio que então se viviam e a que, de imediato, adere, alimentam o seu empreendedorismo criativo. Em 1936 dá início a um sistema de som que durante duas horas por dia envia música, por cabo, a partir da sua Cabina de Som, para algumas esplanadas na Figueira.
Tentou também a criação de uma rádio local.

Mas a paixão pela rádio é absoluta e, durante a 2.ª Grande Guerra Mundial (que muito o marcou e durante a qual acolheu, em sua casa, refugiados Polacos), colabora activamente com a BBC e com a Rádio Voz da América enviando informações sobre a qualidade da recepção das emissões na Figueira. E o desânimo que sente por não poder criar a sua rádio é compensado pelo reconhecimento dos ingleses da BBC que lhe enviam, agradecendo os serviços prestados e pedindo a sua colaboração no futuro, um aparelho de rádio PHILIPS ZA26707. Com ele o mundo torna-se mais pequeno e é com orgulho que, no início dos anos 50, conta aos amigos que pensa ter ouvido uma emissão do Japão.

Durante todo o resto da sua vida vai alargando a cobertura e o tempo de emissão da sua Cabina de Som, "numa missão de serviço público que considera ser a sua obrigação de cidadão e figueirense",conta a filha Maria João Rocha. Através das suas emissões, ao estilo da rádio e com a sua voz radiofónica, dá conselhos sobre segurança nas praias (nos anos 50 já alertava para os perigos da exposição excessiva ao sol), informações de interesse público (farmácias de serviço, segurança rodoviária, prevenção dos fogos florestais, agenda cultural, títulos dos jornais, avisos de objectos e até de crianças perdidas, etc.) e, a partir dos anos 60, tem o supremo prazer de poder emitir, em directo, o noticiário da então Emissora Nacional e um programa autónomo, o "Presença Coimbrã", produzido e apresentado por Sansão Coelho.

Cabine de Som com estúdios na Esplanada
Instalada no edifício do Turismo situado na Esplanada Silva Guimarães, a Cabina de Som é fruto de um investimento pessoal viável pela publicidade que emite. Durante os primeiros anos as instalações são fornecidas em troca de serviços de amplificação sonora que João Rocha presta ao Turismo e à Câmara Municipal (concursos hípicos, regatas, cortejos, sessões solenes, festas populares, concursos de praia ou de folclore, entre outros) e, gratuitamente, a todas as instituições que lho solicitassem.

Mas a iniciativa que mais fortemente perdura até hoje, sem que muitos saibam quem esteve na sua origem, é a sua contribuição para a ligação da Figueira da Foz à "Marcha do Vapor" (a comemorar um século neste ano de 2008!).

Durante anos a Marcha do Vapor é o tema musical com que, durante toda a época balnear, abre e fecha as três emissões diárias, seguida pela voz inconfundível de João Rocha, ou dos seus colaboradores, como por exemplo Joaquim Alves de Oliveira, Manuel Ressurreição, Armando Cró Brás, Maria João Rocha, José Manuel Belchior, Aníbal José de Matos, António Quaresma e José Martins, na frase "Aqui Turismo, Cabina de Som". A ele se deve a primeira gravação da Marcha em disco, de uma forma amadora e, depois de muitos contactos, a primeira gravação profissional.

Nos anos 70 os temas foram acelerando de ritmo. Na discografia de João Rocha já havia temas de Paul Mauriat e de outros nomes que vagueavam pelo êxito.

25 de Abril de 1974
Em 1974 João Rocha recebe com alegria o 25 de Abril. Até aqui, embora sempre receoso, "em casa nunca se abstinha de defender a sua posição anti-salazarista", recorda sua mulher . "Durante anos, as discussões políticas com o sogro são permanentes e em 1952 recebe uma carta (que guarda para sempre, como um troféu) de uma tia da mulher que lhe comunica que nunca mais os visitará pois se recusa a entrar na casa de um comunista...".

Reformado dos Serviços Municipalizados desde o início de 1973, João Rocha viaja pela Europa e dá vida ao sonho de conhecer os locais sobre os quais sempre se documentou (era assinante compulsivo de revistas), com a certeza de que havia um mundo diferente desse Portugal cinzento em que vivia.

Em Paris, quando olha de frente a Torre Eiffel, as lágrimas vêm-lhe aos olhos e diz: '-Desde criança que sonhava vir aqui'. No seu pensamento estaria, talvez, o pequeno copo gravado que o avô lhe oferecera…

João Rocha morreu no dia 5 de Outubro de 1978, mas a sua memória não se dissocia da centenária "Marcha do Vapor" que, com tanto entusiasmo, divulgou como o símbolo musical da sua Figueira.

Na foto, as filhas de João Rocha: Eunice Rocha e Maria João Rocha ladeadas pela Comissão Organizadora da sua homenagem: José Belchior, José Quaresma e Lucas dos Santos. (Texto lido por este último na conferência de imprensa realizada nesta 3ª feira, dia 16 de Julho, na Assembleia Municipal); Desta Comissão fazem ainda parte António Jorge Lé e Sansão Coelho.

E como em 5 de Outubro passam 30 anos do falecimento de João Rocha, será afixada no edifício onde antigamente era o Turismo da Esplanada (e que agora é um bar) uma placa alusiva à Cabine de Som e ao seu mentor, numa "singela mas merecida homenagem".

Nota importante: A Comissão Organizadora solicita a todos que tenham algum testemunho referente a João Rocha ou à sua "Cabine de Som" o favor de entrarem em contacto com a mesma através dos e-mail (josequaresma@mail.telepac.pt), ou (clio@sapo.pt).

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